Certo dia, em um compromisso com idosos, me deparei com um, em especial. Um senhor já cansado, um pouco lento. Logo meu irmão disse-me que, quando criança, o via nas ruas da cidade em uma bicicleta carregando mandiocas para vender. Extremamente atento, demorei a deduzir que já estava quase cego, sua quietude e atenção eram extremamente escandalosas, ao menos para mim.
No momento em que todos estavam no refeitório servindo o almoço em comemoração antecipada ao natal, uma senhora serviu um prato e o entregou a esse senhor, pegou suas mãos e as colocou uma no prato outra segurando o talher. Fiquei atenta em ver o cuidado, porém, logo outra coisa me chamou a atenção: o miúdo senhor segurou o prato com as duas mãos, levantou-o poucos centímetros acima da mesa, direcionou seus olhos para o alto e orou [...] demoradamente.
Aquilo que vi, jamais conseguirei descrever de forma perfeita o que significou. Meus olhos começaram a arder e logo quis chorar. Me segurei.
Ele já não carregava nada em sua bicicleta para vender pela cidade. Caminhava vagarosamente. Já sem forças para viver como vivia. Dependente de outros para quase tudo. As mãos trêmulas. O corpo fraco e levemente curvado. E algo incrivelmente lindo: o mesmo sorriso.
Tudo para ele mudou, mas absolutamente nada mudou. O sorriso (sincero) é a prova de que o coração está em paz, aninhado, onde deve estar. Tudo no homem se desgasta, exceto a plenitude da alma. Nada corrói a essência da vida humana. E é preciso cada vez mais de sensibilidade para captar os tesouros que escorrem de tantos olhos cansados por aí [...]
Nenhuma história incrível. Só os olhos e o sorriso daquele homem.
Me desarmaram.
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