13 dezembro, 2015

João de Barro

          Eu vim de longe pra fazer meu ninho numa dessas árvores por aqui. Bem-te-vi, passarinho. Bem te vi na luz do sol. Bem me vi um rouxinol, pra cantar coisas de Ti. 
          É de pó minha casa, misturada à minha essência. É de porta virada pra que não entre a chuva forte, pra que não me visite a morte senão quando for o momento de, com calma, recebê-la. Agora, é hóspede de mim a vida que só sai de casa pra visitar comigo o que costumo olhar quando voo. E se me encanta uma gota d’água, aumenta em mim a sede só de olhá-la. Com pesar eu vou embora por não estar tão satisfeito como gostaria. Mas agora é hóspede também a alegria, que entra quase sem querer, “culpa” dos meus olhos atentos.
          É de barro a minha tenda que, no fim, volta pra terra de onde veio. Quando assim for, voarei ainda mais alto. E que venha a chuva forte pra eu dançar no meio.
Quando olho pro meu ninho, me vejo passarinho, tão pequeno, quase nada. Mas agora me reconheço e em paz eu adormeço: 'João de barro, não é essa a tua morada.'

14 maio, 2015

Do fim

          Imagino a Jerusalém Celeste, pura e sem manchas. Todos imaculados, de semblante sereno e vitorioso, como quem de nada deve descansar.
          Descendo até a terra, triunfante, é uma só noiva, mas são inúmeras as almas desposadas. São todas um só corpo porque em nada se diferem, porque um só é seu desejo.
          E assim se faz: são todas de Deus, e só de Deus; completamente entregues e tão unidas que em nada se separam, pois já não pensam em si, mas no Amado.
          Aquele que a criou soube bem trabalhar, pois todos são, ao mesmo tempo, portas e janelas, lustres e escadas, são muralhas fortes e frágeis pétalas do seu jardim. Todos são tudo, pois já nada são para si, mas em tudo estão para o agrado d'Aquele que ali habita. São pedras brutas lapidadas e perolas finas em adorno. Delas nada vemos, pois aniquilaram-se para dar lugar Àquele que é todo inteiro em tudo e todos.

29 janeiro, 2015

Dos voos

    Ontem, visitando uma pessoa da família, recuperei o fôlego.
   Ela já bem doente e idosa respirava, falava e fazia as coisas com dificuldade. Um tanto fraca e frágil ela só ria e fazia brincadeiras. De nada reclamava, mas em tudo tinha esperança. E o seu assunto mais frequente era: 'está chegando o meu dia'. Mas de maneira alguma fazia disso um pesar ou um medo, ao contrário, era como alguém ansioso por uma grande festa! As pessoas à sua volta teimavam para que tomasse remédios ou fosse a um médico. Diziam que ela precisava viver muito ainda porque precisávamos dela. Ela relutava e dizia que não. Batia o pé porque queria ir 'cuidar do jardim de São Pedro'. Ela dizia com convicção que 'o andar de cima deve ser bem melhor que aqui porque ninguém volta de lá'.
    A que ponto me apeguei tanto a essa condição que prefiro usar um vestido velho a me trajar com vestes de gala? Quem fez com que esquecêssemos que há algo ainda reservado a nós, uma festa interminável e um dia que jamais se tornará noite? Sem fome nem sede, sem choro, sem dor. 
   Algo em mim me apertava o coração e, ao mesmo tempo me dava uma sensação de liberdade imensa. A alma sabe quando está perto de casa, porque nada lhe é tão precioso. Exilada aqui é como um passarinho que não pode voar. Só canta. Ela sabe quando poderá, ao mesmo tempo, voar e cantar. A alma certa do seu lugar a nada aqui se apega porque não quer pesos que lhe atrapalhem as asas. Nada lhe custa deixar porque sabe que em seu lugar há um Tudo, somente seu.
    Eu tenho saudade