29 janeiro, 2015

Dos voos

    Ontem, visitando uma pessoa da família, recuperei o fôlego.
   Ela já bem doente e idosa respirava, falava e fazia as coisas com dificuldade. Um tanto fraca e frágil ela só ria e fazia brincadeiras. De nada reclamava, mas em tudo tinha esperança. E o seu assunto mais frequente era: 'está chegando o meu dia'. Mas de maneira alguma fazia disso um pesar ou um medo, ao contrário, era como alguém ansioso por uma grande festa! As pessoas à sua volta teimavam para que tomasse remédios ou fosse a um médico. Diziam que ela precisava viver muito ainda porque precisávamos dela. Ela relutava e dizia que não. Batia o pé porque queria ir 'cuidar do jardim de São Pedro'. Ela dizia com convicção que 'o andar de cima deve ser bem melhor que aqui porque ninguém volta de lá'.
    A que ponto me apeguei tanto a essa condição que prefiro usar um vestido velho a me trajar com vestes de gala? Quem fez com que esquecêssemos que há algo ainda reservado a nós, uma festa interminável e um dia que jamais se tornará noite? Sem fome nem sede, sem choro, sem dor. 
   Algo em mim me apertava o coração e, ao mesmo tempo me dava uma sensação de liberdade imensa. A alma sabe quando está perto de casa, porque nada lhe é tão precioso. Exilada aqui é como um passarinho que não pode voar. Só canta. Ela sabe quando poderá, ao mesmo tempo, voar e cantar. A alma certa do seu lugar a nada aqui se apega porque não quer pesos que lhe atrapalhem as asas. Nada lhe custa deixar porque sabe que em seu lugar há um Tudo, somente seu.
    Eu tenho saudade
    

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